quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O sopro

Miguel..o que mais me aquecia ao lembrar-me dele provavelmente ninguém entenderia, e gostava que fosse assim. O que duas pessoas fazem durar mais que o tempo senão um átomo de incompreensão que faz sorrir?

Agora, em meus últimos momentos de vida – assegurados cada vez mais pela frieza que me tomava o corpo contrastando com o que me fervilhava o peito – ouvia os murmúrios ao meu redor de forma tão acentuada que soavam como um tambor.
“Por que ela não aceitou o tratamento?” a voz era chorosa mas com um tom de ultraje no final.

“Alguém sabe por que Rita sempre sumia às terças-feiras?” outra voz,; dessa vez me soou bastante parecida com minha falecida tia Eulália. Outro respondeu que não, que Rita sempre fora meio louca mesmo e que por isso habituaram-se todos com sua presunção a mistérios.

Gemi. Falavam como se eu não estivesse presente. Furiosa, fechei os olhos com toda força e desejei que todos fossem carregados por algum vendaval, terremoto, tufão, qualquer coisa que os varresse da face da terra. Tudo bem..ao menos do meu quarto já me satisfaria. Tive uma crise de riso que ninguém viu e mijei o colchão todo, satisfeita comigo mesma.

Miguel..onde ele estaria agora, que boca estaria mordendo além da sua própria? Boca linda aquela..linda boca de dentes afiados continha aquela língua calada!
Desejei morrer agora, nesse instante, com essa lembrança.

E morri.
..

Grazzi Yatña